quinta-feira, junho 23, 2005

Crimes no Abecedário Brasileiro de Letras

Noite. Chuva.
X anda em meio ao temporal, querendo chegar em casa logo, antes do jogo da seleção. A água escorre por X e ele caminha sobre a calçada, contra o vento gelado. De um beco, X ouve algo como um sopro.

- Psst.

X pára, olha para o beco escuro, mas não consegue ver nada. Espera mais alguns segundos, enquanto a vista se acostuma com a escuridão mas continua sem ver coisa alguma. Se vira na direção de casa, mas antes de dar um passo ouve a voz novamente.

- Dia duro de trabalho?

X olha novamente para o beco vazio, mas dessa vez entre as sombras, vindo em sua direção, um velho conhecido se aproxima.

- Ah, é você - diz X, aliviado - Trabalhei bastante sim, sabe como é?

Um raio risca o ar, seguido pelo som ensurdecedor do trovão.

- Não... Na verdade não sei não - diz a voz, sussurrante - Mas você sabe muito bem... CH... Z... S... CS...
- Olha, será que a gente não podia conversar num lugar mais seco? E mais quente?
- Conversar? HAHAHAHAHAH - ri a sombra, embora o som da risada seja apenas o do ar entrando e saindo dela, nenhum barulho de cordas vocais.

Quando finalmente se detém, a sombra olha com desdém para X.
- É muito fácil conversar quando se pode emitir sons.

Apavorado, X dá alguns passos para trás. Decide correr, mas não consegue. A sombra pula da escuridão sobre X, esquartejando a vítima, primeiro num "Y", depois em um "v" minúsculo e finalmente em alguns ífens espalhados no chão. O nanquim escorre pela calçada encharcada.

Parado sobre a pobre letra, H se sente triunfante.
- Tão parecidos e tão diferentes, não é amigo? Você foi o primeiro de uma longa lista de fonéticas. Eu terei minha vingança.

Silenciosamente, H se afasta da letra inerte, procurando na escuridão o caminho que um dia o levará ao C, seu antigo parceiro. O traidor que será sua derradeira vítima.