segunda-feira, setembro 15, 2008

Sincronicidade Ascensorial em Chuva Média

Gostaria de poder contar uma história inacreditável sem fazê-la parecer... bem...
inacreditável...

É um relato real, mas que jamais poderá ser provado. Algo que soa ridiculamente improvável Um acontecimento que não é grandioso, tampouco significativo. Um fato sem conseqüências consideráveis, plenamente hermético, cuja importância se encerra no própria duração do ocorrido.

Um causo sem essência ou significância, mas cuja característica inusitada faz dele algo absolutamente peculiar, embora inexista explicação para tamanho paralelismo.

É certo que as lendas possuem em sua essência a dualidade da realidade e da ficção. Deixa-se de ser importante, assim, a factualidade do caso, e leva-se em conta a tal "moral da história".

Moral esta que esqueceu de se apresentar no descrito abaixo.

O detalhismo talvez seja a única forma de buscar um mínimo de veracidade para uma coincidência tão absurda de eventos.

Descrevo, portanto, o praticamente intangível caso da "Sincronicidade Ascensorial em Chuva Média".
Chovia quando toquei o interfone. Uma chuva constante, nem garoa, nem tempestade. Era uma chuva normal. Passava das 23h do sábado quando me disseram que eu podia subir. O elevador era no segundo bloco, e precisei me molhar um pouco mais antes de entrar no saguão do edifício. Apertei o botão do elevador, mas ele já estava descendo. Quando o ouvi chegar resolvi esperar alguns segundos antes de puxar a porta. Tenho sempre o receio de que pode haver um passageiro com pressa, que poderia abrir a porta com uma força suficiente para me machucar. Devo ter esperado pouco mais que dois segundos quando resolvi abrir eu mesmo, presumindo que estava vazio.

Nos sobressaltamos os dois. A moça estava quase tocando a porta quando a abri. Ela deu um pequeno pulo, e eu disse o que sempre acabo dizendo: "Opa!"

Houve aquele sorriso constrangedor, envergonhado, de ambas as partes. Creio que, assim como eu, ela também tenha rapidamente desviado o olhar (não pude ver, pois eu já olhava para meus tênis molhados) e tão logo pudemos, recobramos a compostura e retomamos nossas direções. Eu adentro, ela afora.

Apertei o 15º e pude ouvir, junto com a porta se fechando, o toc-toc dos saltos dos sapatos dela, que se tornaram plosh-plosh tão logo ela pisou fora do edifício.

É formidável o número de pensamentos que ocorrem durante um trajeto de 15 andares. Enquanto eu olhava no espelho da parede do fundo do elevador cutucando um cravo crônico na maçã direita do meu rosto, pensei no quanto era curioso o fato de eu estar fazendo uma visita informal à uma amiga, depois de trabalhar durante todo o sábado, vestindo tênis, jeans, camiseta e casaco de zíper, todos um bocado molhados, num fim de noite de sábado, enquanto a moça saía para passear num vestido preto elegante, com sapatos de salto da mesma cor.

Presumo que ela tenha ído de taxi ou carona, pois se fosse dirigindo teria certamente descido em outro andar. Não acho que tenha ído à pé também, pois a chuva inibiria uma caminhada até mesmo ao barzinho mais próximo, que fica à umas 3 ou 4 quadras dali. Sem contar o fato de que mulher alguma se dá ao luxo de molhar os cabelos antes de chegar ao destino, como bem prova o economicamente ativo comércio das chapinhas.

Fui interrompido de meus pensamentos pelo baque da chegada do elevador ao 15º andar. Desisti também do cravo.

A visita não foi muito breve. Houveram ois, sorrisos, risadas, sobrancelhas erguidas e algumas cerradas, que horas depois foram sucedidos por bocejos e piscadelas mais longas. Já era por volta das 3 da manhã de domingo quando vieram os tchaus e os até mais.

Apertei o botão do elevador, trocamos mais alguns comentários conclusivos no hall e quando o ouvi chegar, aguardei os mesmos aproximadamente dois segundos antes de abrir a porta. Na ausência de qualquer movimento atrás da porta, a abri e dei com um rapaz lá dentro. Nada demais, era apenas o mesmo rapaz com o cravo crônico de antes: eu mesmo no espelho.

Aperto o térreo e desta vez apenas encosto de costas no espelho. Nada de cutucar meu rosto. Já estava tarde e passei todos os 15 andares pensando na chuva e no quando eu ainda teria que andar sob ela até chegar em casa naquela noite.

Quinze andares depois, sinto o baque da chegada.

Da mesma forma que costumo esperar alguns segundos para adentrar o elevador, costumo fazer o mesmo ao sair dele. Penso que alguém possa estar com a mão na maçaneta, ansioso para entrar no elevador, mas que num momento de distração poderia se machucar quando eu empurrasse a porta.

Passados os segundos costumeiros, abro a porta e mais uma vez meu primeiro instinto é o de dizer o absolutamente desnecessário: "Opa!"

A mesma mulher se sobressalta da mesma forma quando eu abro a porta. Algo como um evento que é primo distante do déjávu.

Mais uma vez houveram sorrisos constrangedores, envergonhados, de ambas as partes. Creio que novamente, assim como eu, ela também tenha rapidamente desviado o olhar para seus sapatos de salto molhados.

Pude perceber que embora voltasse sozinha, ela se cobria com um casaco bege masculino. Provavelmente emprestado por algum homem preocupado (talvez mal ou bem intencionado), que protegia-lhe o vestido, mas não o cabelo, já um tanto revoltado.

A porta ainda se fechava quando impulsivamente me percebo dizendo em voz alta: "De novo?". E antes dela se fechar completamente pude ouvir uma risada curta, reconhecendo a ironia neste inútil acidente.

E tão logo pudemos, recobramos a compostura e retomamos nossas direções. Eu afora, ela adentro.

Embora a chuva tivesse aumentado, eu tinha um sorriso inexplicável no rosto. Tão inexplicável quanto a sincronicidade ascensorial em uma noite de chuva média.

Realmente me pergunto se estamos mesmo sozinhos.

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2 Comments:

Blogger Clau y Her said...

Adoro essas irônias do destino, ou serendipity, ou como vc quiser chamar.
São coisas assim que fazem você se sentir num filme, ou dão margem à roteiros que nunca ninguém acredita terem saído da vida real!

16/09/2008, 19:51  
Blogger Janie Paula said...

Concordo com a Clau, quantas coisas nào acontecem na vida real e pensamos "se colocássemos num filme ninguém acreditaria" tal como isso que te aconteceu! Bom demais esses momentos da vida! Ainda mais quando alguém sabe escrever sobre eles e fazer mais pessoas passarem por esse momento por tabela! Adorei!

24/09/2008, 13:02  

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