segunda-feira, setembro 29, 2008

A Inversão Esculáchica

Segundo a Academia Portuguesa de Letras, Caralho é a palavra com que se denominava a pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias perscrutavam o horizonte em busca de sinais de terra.

Dada a sua situação numa área de muita instabilidade (no alto do mastro) era onde se manifestava com maior intensidade o rolamento ou movimento lateral de um barco.
Também era considerado um lugar de castigo para aqueles marinheiros que cometiam alguma infracção a bordo.

O castigado era enviado para cumprir horas e até dias inteiros ali e quando descia ficava tão enjoado que se mantinha tranquilo por um bom par de dias. Daí surgiu a expressão:
-Vai pro caralho!

Por outro lado, Babaca, segundo o Houaiss, tem entre outros o significado de vulva, pela sonoridade similar à de algo que "baba".

Curiosamente, tendo outrora este significado marcadamente sexual, hoje em dia este é um adjetivo bem menos despudorado do que seu amigo náutico.

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terça-feira, setembro 23, 2008

A Guerra dos Ceg(x)os

Nunca abandonei uma sala de cinema. Não acho que sou nenhum herói, nem qualquer tipo de insensível. Simplesmente nunca me senti agredido desta forma.

O máximo que já me aconteceu foi virar o rosto em determinada cena. Quando era pequeno, não conseguia assistir "V", que passava no SBT. Era sobre alienígenas lagartos que comiam ratos e fingiam ser bonzinhos quando na verdade queriam dominar a Terra. Me escondia atrás do sofá e me levantava apenas de vez em quando. Acho que eu acabava assistindo mais sofá do que o seriado.

Talvez seja desde então que eu não vejo muita graça na sensação da iminência do susto que os filmes de horror têm em 90% de suas cenas.

Mais recentemente me peguei desviando o rosto no filme mais violento que já assisti: "A Paixão de Cristo". Mais especificamente na cena em que o chicote arranca um pedaço de osso durante o açoite. O "uhh" na sala de cinema foi geral (pelo menos entre as pessoas que ainda estavam olhando). Um filme onde, literalmente, pegaram Jesus pra Cristo.

Já em "Ensaio Sobre a Cegueira" - O Filme - penso que a minha leitura cega do livro ainda me preserva do grafismo explícito da violência narrada por Saramago.

A redução do ser humano à barbárie, pelo menos por enquanto, é cega por ser apenas um grande monte de palavras na minha mente.

No entanto creio que em alguns dias, quando eu já tiver visto o filme, meu choque já terá sido bem maior.

Confesso, entretanto, que tenho mais medo do grafismo fecal descrito no livro do que da cena sexual propriamente dita. Mas isso naturalmente se deve ao fato de que por eu ser homem, convivo todos os dias com os instintos que provavelmente causariam este tipo de destruição moral e cívica, caso o apocalipse chegasse em forma de "treva branca".

Mas apesar de saber que os homens são, por natureza, destrutivos exatamente assim, gostaria de sugerir uma leitura alternativa, para mostrar que nem tudo são flores quando o apocalipse deixa as mulheres no comando.

"Y: The Last Man" é uma longa série em quadrinhos que mostra o que aconteceria em um mundo onde, em poucas horas, todos os machos de todas as espécies, caíssem subitamente mortos. Com exceção apenas de um jovem garoto e seu mico de estimação.

A série já foi lançada em português pela Editora Devir e vale a pena em ser lida.

As conseqüências de um mundo reduzido ao estrogênio podem não ser tão graficamente explícitas como àquelas contadas por Saramago e Meirelles, mas já adianto que nem por isso deixam de causar um incômodo nó na garganta de quem tem um mínimo de carinho pela humanidade e por aquilo que fazemos de melhor, mesmo sendo, todos nós, no fundo, no fundo, uma grande podridão pintada de ouro.

quinta-feira, setembro 18, 2008

Sobre um Colchão (embora não fisicamente)

Andava eu com um colchão nos braços.
Segundo as leis da "Randômica", os fatos aleatórios propensos a acontecer em qualquer dia são absolutamente impensáveis e desprovidos de maiores explicações. Aceitemos, assim, as coisas como elas são e tiremos proveito delas para ao menos sorrir.

Levando isso em consideração, andava eu com um colchão nos braços.
Estava em um bairro residencial, cheio de casinhas, algumas simples e outras um tanto mais elaboradas. Há até mesmo um cortiço nesta mesma rua, logo de frente à padaria que vende sanduíche de pernil aos sábados. Vizinho à padaria, há o mecânico que me ajudou quando cheguei na cidade com um parafuso quebrado na bandeja de sustentação da roda dianteira esquerda do meu carro.

Assim, andava eu com um colchão nos braços.
Na rua de baixo, pelo dia ser quinta, instala-se a feirinha que exala o odor de pastel e caldo de cana característicos. Curiosamente, todas as quintas, passo ainda por uma outra feira que acontece no caminho que faço diariamente. Um segunda feira todas as quintas-feiras.

Mas o que importa é que andava eu com um colchão nos braços.
Uma amiga que está se casando nesta semana me pediu o colchão, para poder hospedar mais parentes em casa. Embora diga o ditado que "quem casa, quer casa", quem precisa de casa nesse casório são os parentes. A noiva, no caso, embora casando, estava com problemas para passar adiante a casa antiga, mas esqueci de perguntá-la se isto já está resolvido. O caso da casa que sobrou no casório. Curiosamente, a casa, no caso, é um apartamento.

Voltando ao assunto: Andava eu com um colchão nos braços.
Não deve ser um visão muito comum. É algo que naturalmente chama a atenção dos transeuntes. Todo o meu trajeto com o colchão não é maior que o de duas quadras, mas, por ser dia de feira, quinta, haviam mais pessoas pela rua do quem em qualquer dos outros dias da semana. Também pelo dia ser de feira seria a razão pela qual estaria aquela senhora pedinte por ali, quando lhe cruzei o caminho e, obviamente, lhe chamei a atenção.

- Dá pra mim esse colchão? - disse ela.

Embora ela provavelmente precisasse do colchão mais do que eu e do que os parentes de minha amiga noiva, eu não poderia dar-lhe por 3 razões:
1) Havia prometido emprestar o colchão.
2) O colchão nem é meu, mas de minha avó, que me emprestou o dito cujo quando vim para a cidade, uma vez que a cama que hoje uso era ocupada por outra pessoa àquela época.
3) Eu não queria dar o meu colchão (da minha avó) pra ela.

A razão n.1 era um tanto elaborada e me deu preguiça de explicar. A razão n.3 era mesquinha demais e qualquer pessoa com um mínimo de vergonha, jamais diria isto à tão necessitada velhinha. A razão n.2, portanto, me pareceu um bocado apropriada para a ocasião, e nem precisaria mentir, o que é sempre louvável.

Toda esta reflexão levou aproximadamente 3 segundos, que foi o tempo que levei para responder-lhe:

- O colchão não é meu. Não posso lhe dar o que não é meu.

E ela me responde, com o sorriso mais honesto que a sua boca sem dentes (ou quase) poderia me dar:
- Claro que pode... O tempo todo, as pessoas me dão o que não é seu. Hoje mesmo me deram uma banana, que não era sua, ali na feira.

O meu tropeço na calçada foi apenas uma expressão física do tropeço no meu raciocínio. Estaria eu às voltas com um enigma digno de Malba Tahan? Ou uma pegadinha de programa de auditório? Ou ainda uma questão capaz de corromper o próprio tecido do espaço-tempo contínuo? Seria a velhinha a personificação humana do acelerador de partículas LHC?

Ao pensar brevemente sobre o assunto, percebi que a filosofia semântica das sábias palavras curiosas da velhinha. Pondo em cheque o meu direito de propriedade e poder de decisão sobre o futuro do colchão, a pobre senhora levantou uma outra questão: A questão entre a ética e a honra.

Ético seria dar o colchão à velhinha enquanto honrado seria eu cumprir a minha palavra e emprestar o colchão à minha amiga.

Infelizmente as obrigações da vida fazem com que passemos por cima das questões mais importantes acerca dos mistérios do mundo. Já era tarde e eu não poderia me atrasar para o trabalho, inclusive porque no dia anterior eu havia sido advertido sobre atrasos. Sendo assim, na obrigação de lidar com a situação o mais rápido o possível, fiz o que me pareceu mais funcional naquele momento: Apenas sorri para a velhinha e dei de ombros, como quem dissesse "pode até ser, mas esse colchão você não leva".

A velhinha não me achou digno nem mesmo de uma expressão facial como resposta. Virou as costas e seguiu o seu caminho. Da mesma forma segui eu o meu, sem jamais saber com que tipo de mente brilhante eu poderia ter travado um diálogo inesquecível.

Logo adiante virei a esquina e segui pela calçada, onde andava eu com um colchão nos braços.

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segunda-feira, setembro 15, 2008

Sincronicidade Ascensorial em Chuva Média

Gostaria de poder contar uma história inacreditável sem fazê-la parecer... bem...
inacreditável...

É um relato real, mas que jamais poderá ser provado. Algo que soa ridiculamente improvável Um acontecimento que não é grandioso, tampouco significativo. Um fato sem conseqüências consideráveis, plenamente hermético, cuja importância se encerra no própria duração do ocorrido.

Um causo sem essência ou significância, mas cuja característica inusitada faz dele algo absolutamente peculiar, embora inexista explicação para tamanho paralelismo.

É certo que as lendas possuem em sua essência a dualidade da realidade e da ficção. Deixa-se de ser importante, assim, a factualidade do caso, e leva-se em conta a tal "moral da história".

Moral esta que esqueceu de se apresentar no descrito abaixo.

O detalhismo talvez seja a única forma de buscar um mínimo de veracidade para uma coincidência tão absurda de eventos.

Descrevo, portanto, o praticamente intangível caso da "Sincronicidade Ascensorial em Chuva Média".
Chovia quando toquei o interfone. Uma chuva constante, nem garoa, nem tempestade. Era uma chuva normal. Passava das 23h do sábado quando me disseram que eu podia subir. O elevador era no segundo bloco, e precisei me molhar um pouco mais antes de entrar no saguão do edifício. Apertei o botão do elevador, mas ele já estava descendo. Quando o ouvi chegar resolvi esperar alguns segundos antes de puxar a porta. Tenho sempre o receio de que pode haver um passageiro com pressa, que poderia abrir a porta com uma força suficiente para me machucar. Devo ter esperado pouco mais que dois segundos quando resolvi abrir eu mesmo, presumindo que estava vazio.

Nos sobressaltamos os dois. A moça estava quase tocando a porta quando a abri. Ela deu um pequeno pulo, e eu disse o que sempre acabo dizendo: "Opa!"

Houve aquele sorriso constrangedor, envergonhado, de ambas as partes. Creio que, assim como eu, ela também tenha rapidamente desviado o olhar (não pude ver, pois eu já olhava para meus tênis molhados) e tão logo pudemos, recobramos a compostura e retomamos nossas direções. Eu adentro, ela afora.

Apertei o 15º e pude ouvir, junto com a porta se fechando, o toc-toc dos saltos dos sapatos dela, que se tornaram plosh-plosh tão logo ela pisou fora do edifício.

É formidável o número de pensamentos que ocorrem durante um trajeto de 15 andares. Enquanto eu olhava no espelho da parede do fundo do elevador cutucando um cravo crônico na maçã direita do meu rosto, pensei no quanto era curioso o fato de eu estar fazendo uma visita informal à uma amiga, depois de trabalhar durante todo o sábado, vestindo tênis, jeans, camiseta e casaco de zíper, todos um bocado molhados, num fim de noite de sábado, enquanto a moça saía para passear num vestido preto elegante, com sapatos de salto da mesma cor.

Presumo que ela tenha ído de taxi ou carona, pois se fosse dirigindo teria certamente descido em outro andar. Não acho que tenha ído à pé também, pois a chuva inibiria uma caminhada até mesmo ao barzinho mais próximo, que fica à umas 3 ou 4 quadras dali. Sem contar o fato de que mulher alguma se dá ao luxo de molhar os cabelos antes de chegar ao destino, como bem prova o economicamente ativo comércio das chapinhas.

Fui interrompido de meus pensamentos pelo baque da chegada do elevador ao 15º andar. Desisti também do cravo.

A visita não foi muito breve. Houveram ois, sorrisos, risadas, sobrancelhas erguidas e algumas cerradas, que horas depois foram sucedidos por bocejos e piscadelas mais longas. Já era por volta das 3 da manhã de domingo quando vieram os tchaus e os até mais.

Apertei o botão do elevador, trocamos mais alguns comentários conclusivos no hall e quando o ouvi chegar, aguardei os mesmos aproximadamente dois segundos antes de abrir a porta. Na ausência de qualquer movimento atrás da porta, a abri e dei com um rapaz lá dentro. Nada demais, era apenas o mesmo rapaz com o cravo crônico de antes: eu mesmo no espelho.

Aperto o térreo e desta vez apenas encosto de costas no espelho. Nada de cutucar meu rosto. Já estava tarde e passei todos os 15 andares pensando na chuva e no quando eu ainda teria que andar sob ela até chegar em casa naquela noite.

Quinze andares depois, sinto o baque da chegada.

Da mesma forma que costumo esperar alguns segundos para adentrar o elevador, costumo fazer o mesmo ao sair dele. Penso que alguém possa estar com a mão na maçaneta, ansioso para entrar no elevador, mas que num momento de distração poderia se machucar quando eu empurrasse a porta.

Passados os segundos costumeiros, abro a porta e mais uma vez meu primeiro instinto é o de dizer o absolutamente desnecessário: "Opa!"

A mesma mulher se sobressalta da mesma forma quando eu abro a porta. Algo como um evento que é primo distante do déjávu.

Mais uma vez houveram sorrisos constrangedores, envergonhados, de ambas as partes. Creio que novamente, assim como eu, ela também tenha rapidamente desviado o olhar para seus sapatos de salto molhados.

Pude perceber que embora voltasse sozinha, ela se cobria com um casaco bege masculino. Provavelmente emprestado por algum homem preocupado (talvez mal ou bem intencionado), que protegia-lhe o vestido, mas não o cabelo, já um tanto revoltado.

A porta ainda se fechava quando impulsivamente me percebo dizendo em voz alta: "De novo?". E antes dela se fechar completamente pude ouvir uma risada curta, reconhecendo a ironia neste inútil acidente.

E tão logo pudemos, recobramos a compostura e retomamos nossas direções. Eu afora, ela adentro.

Embora a chuva tivesse aumentado, eu tinha um sorriso inexplicável no rosto. Tão inexplicável quanto a sincronicidade ascensorial em uma noite de chuva média.

Realmente me pergunto se estamos mesmo sozinhos.

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